"O espantoso é que um projeto de lei como esse que proíbe as autoridades de darem informação sobre processos em investigação chegue tão longe (foi aprovado na Câmara) dessa maneira – assoviando e chutando pedra. Não apareceu ninguém para dizer o clássico ‘Peraí um pouquinho’ e pensar no que ele significa. A lei seria para proteger a intimidade, a vida privada, a imagem e a honra das pessoas, nada contra, mas peraí um pouquinho. Já existem leis que protegem a privacidade e punem a difamação. Na prática a nova lei vai constranger o Ministério Público justamente quando deviam estar pensando em lhe dar mais poderes para combater o gangsterismo institucionalizado e denunciar o conluio de interesses fechados que passa por Governo no Brasil. E vai matar o pouco que existe de jornalismo investigativo no país, ou o mínimo de ‘transparência’ forçada a que se tem acesso.
Mas o projeto foi votado e aprovado sem o barulho merecido de nenhum lado. Nem da oposição, nem do Ministério Público e nem da imprensa. Agora a associação dos procuradores se manifestou, dizem que o Governo não está muito interessado em ver o projeto transformado em lei e que o Senado não pretende aprová-lo como está – e sempre haveria a possibilidade de, mesmo aprovada, e como tantas outras na nossa História, a lei não pegar. Mas o fato de o projeto ter chegado a este ponto com tão pouca discussão mostra como é precário o nosso sistema representativo: o temor da informação teve mais votos do que o bom senso. Faltou um ‘peraí um pouquinho’ convincente.
Não foram poucas as vezes no passado em que um ‘peraí um pouquinho’ bem colocado teria ajudado a nação. ‘Peraí um pouquinho’ é geralmente o preâmbulo da ponderação ou do alerta que previnem o vexame. Quem diz ‘peraí um pouquinho’ é porque viu o óbvio que ninguém mais viu, e intervém para frear o entusiasmo cego ou desmascarar a trama. O Brasil seria outro com mais ‘peraís’."
2 comentários:
PONDERAÇÃO
"Peraí um pouquinho", copyright O Globo, 17/12/99
Luis Fernando Verissimo
"O espantoso é que um projeto de lei como esse que proíbe as autoridades de darem informação sobre processos em investigação chegue tão longe (foi aprovado na Câmara) dessa maneira – assoviando e chutando pedra. Não apareceu ninguém para dizer o clássico ‘Peraí um pouquinho’ e pensar no que ele significa. A lei seria para proteger a intimidade, a vida privada, a imagem e a honra das pessoas, nada contra, mas peraí um pouquinho. Já existem leis que protegem a privacidade e punem a difamação. Na prática a nova lei vai constranger o Ministério Público justamente quando deviam estar pensando em lhe dar mais poderes para combater o gangsterismo institucionalizado e denunciar o conluio de interesses fechados que passa por Governo no Brasil. E vai matar o pouco que existe de jornalismo investigativo no país, ou o mínimo de ‘transparência’ forçada a que se tem acesso.
Mas o projeto foi votado e aprovado sem o barulho merecido de nenhum lado. Nem da oposição, nem do Ministério Público e nem da imprensa. Agora a associação dos procuradores se manifestou, dizem que o Governo não está muito interessado em ver o projeto transformado em lei e que o Senado não pretende aprová-lo como está – e sempre haveria a possibilidade de, mesmo aprovada, e como tantas outras na nossa História, a lei não pegar. Mas o fato de o projeto ter chegado a este ponto com tão pouca discussão mostra como é precário o nosso sistema representativo: o temor da informação teve mais votos do que o bom senso. Faltou um ‘peraí um pouquinho’ convincente.
Não foram poucas as vezes no passado em que um ‘peraí um pouquinho’ bem colocado teria ajudado a nação. ‘Peraí um pouquinho’ é geralmente o preâmbulo da ponderação ou do alerta que previnem o vexame. Quem diz ‘peraí um pouquinho’ é porque viu o óbvio que ninguém mais viu, e intervém para frear o entusiasmo cego ou desmascarar a trama. O Brasil seria outro com mais ‘peraís’."
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